O ano é 1865. O cerco de Uruguaiana já dura semanas. O ar cheira a pólvora antiga e pólvora contida; o silêncio não é de paz, mas de expectativa. O vento do pampa levanta poeira dourada sob o céu de setembro, tingido de vermelho pelo pôr do sol.
À frente das trincheiras paraguaias, um homem se destaca. É o Tenente-Coronel Antonio de la Cruz Estigarribia. Seus ombros parecem pesar toneladas, não pelo uniforme, mas pelo destino de quase cinco mil soldados famintos e exaustos. Nas mãos trêmulas, ele segura a carta de rendição, um simples pedaço de papel que decidiu vidas e mudou fronteiras.
Os soldados da Guarda Imperial alinham-se como muralhas vivas, seus mosquetes cruzados formando um corredor solene. O som dos cascos dos cavalos retumba em ritmo lento, e cada passo de Estigarribia ecoa como marteladas no coração dos presentes.
Quando o oficial paraguaio estende a carta, não há gritos nem explosões de triunfo. Apenas o silêncio. Um silêncio tão pesado que parece quase sagrado.
A carta é recebida diante de todos. A vitória não se expressa em festa, mas em respeito, naquele local que, 160 anos depois, seria conhecido como Avenida Presidente Vargas, em Uruguaiana, onde hoje o obelisco representa esse momento e testemunha um ato de rendição honrosa.
Do outro lado, alinhados em um cenário que mais parecia uma pintura viva, aguardavam as maiores figuras da nossa história. O Imperador Dom Pedro II, ereto e sereno, observava a aproximação com o olhar de estadista. A seu lado, o Duque de Caxias, Luís Alves de Lima e Silva, mantinha a postura firme de general, a farda pesando com cada medalha conquistada em batalhas passadas.
Mais afastado, o Marquês e Almirante Tamandaré, Joaquim Marques Lisboa, mantinha-se atento, como se fosse capaz de ouvir os mares mesmo a léguas de distância.
O Conde de Porto Alegre, Manuel Marques de Souza, exibia o semblante austero de quem conhecia as dores da guerra e as responsabilidades da liderança. Entre os presentes, a cena ganhava ainda mais peso com a figura do Presidente da Argentina, Bartolomé Mitre, e do Presidente do Uruguai, Venancio Flores, símbolos da aliança que uniu os povos contra o Paraguai.
Ao fundo, completando a moldura aristocrática, estavam o Conde d’Eu e o Duque de Saxe, genros do imperador, lembrando ao mundo que, além da guerra, havia também alianças de sangue e diplomacia. Generais, oficiais e soldados da guarda imperial assistiam em silêncio, compondo uma atmosfera solene.
Um marco histórico que ecoa até hoje
Esse momento histórico de grande importância grava o nome de Uruguaiana em um dos episódios mais importantes e grandiosos da história do Mercosul, e por que não dizer, do mundo. No próximo dia 18/09, esse marco completa 160 anos.
Todos os anos, o Exército Brasileiro e a Prefeitura de Uruguaiana, juntamente com a Coordenadoria Tradicionalista (CTU), unem forças para dar forma e voz ao episódio que colocou nossa cidade como uma das protagonistas no período da Guerra do Paraguai. Porém, neste ano, devido ao falecimento do Tenente Felipe Borsa Lago e em respeito, o Exército declarou luto oficial por três dias, fazendo com que a tradicional encenação da Retomada de Uruguaiana fosse guardada apenas na memória, em sinal de homenagem.
O retrato da história em arte
Esse momento de grandeza também está eternizado em uma das obras mais impressionantes já produzidas sobre o tema: a pintura “Retomada de Uruguaiana”, óleo sobre tela com medidas de 305 x 735 cm, criada entre 2014 e 2015 pelo artista uruguaio Alejandro Arnutti.
A obra, que levou um ano inteiro para ser concluída, está exposta no Salão Nobre Nivaldo Soares, na Prefeitura de Uruguaiana, e reúne em um só quadro todos esses personagens históricos, incluindo a simbólica Carta de Rendição. É um tesouro artístico que mostra o quanto nossa cidade carrega e preserva o valor da sua história.
Autor: Thaís Vieira - Secom/PMU